terça-feira, janeiro 15, 2008

O fato ocorreu no mês de fevereiro de 1969, ao norte de Boston, em Cambridge. Não o escrevi imediatamente, porque meu primeiro propósito foi esquecê-lo para não perder a razão. Agora, em 1972, penso que, se o escrevo, os outros o lerão como um conto e, com os anos, o será talvez para mim.
Sei que foi quase atroz enquanto durou e mais ainda durante as noites desveladas que o seguiram. Isto não significa que seu relato possa comover a um terceiro.
Seriam dez da manhã. Eu estava recostado em um banco, defronte ao rio Charles. A uns quinhentos metros à minha direita havia um alto edifício cujo nome nunca soube. A água cinzenta carregava grandes pedaços de gelo. Inevitavelmente, o rio fez com que eu pensasse no tempo. A milenar imagem de Heráclito. Eu havia dormido bem; minha aula da tarde anterior havia conseguido, creio, interessar aos alunos. Não havia ninguém à vista.
Senti, de repente, a impressão (que, segundo os psicólogos, corresponde aos estados de fadiga) de já ter vivido aquele momento. Na outra ponta de meu banco, alguém se havia sentado.
Teria preferido estar só, mas não quis levantar em seguida, para não me mostrar descortês. O outro se havia posto a assobiar. Foi então que ocorreu a primeira das muitas inquietações dessa manhã. O que assobiava, o que tentava assobiar (nunca fui muito entoado), era o estilo crioulo de La Tapera de Elias Regules. O estilo me reconduziu a um pátio lá desaparecido e à memória de Álvaro Mellián Lafinur, morto há muitos anos. Logo vieram as palavras. Eram as da décima do princípio. A voz não era a de Álvaro, mas queria parecer-se com a de Álvaro. Reconheci-a com horror.
Aproximei-me e disse-lhe:
- O senhor é oriental ou argentino?
- Argentino, mas desde o ano de 1914 vivo em Genebra - foi a resposta.
Houve um silêncio longo. Perguntei-lhe:
- No número dezessete da Malagnou, em frente à igreja russa?
Respondeu-me que sim.
- Neste caso - disse-lhe resolutamente - o senhor se chama Jorge Luis Borges. Eu também sou Jorge Luis Borges. Estamos em 1969, na cidade de Cambridge.
- Não - respondeu-me com a minha própria voz um pouco distante.
Ao fim de um tempo insistiu:
- Eu estou aqui em Genebra, em um banco, a alguns passos do Ródano. 0 estranho é que nos parecemos, mas o senhor é muito mais velho, com a cabeça grisalha.
Respondi:
- Posso te provar que não minto. Vou te dizer coisas que um desconhecido não pode saber. Lá em casa há uma cuia de prata com um pé de serpentes, que nosso bisavô trouxe do Peru. Há também uma bacia de prata que pendia do arção. No armário do teu quarto, há duas filas de livros. Os três volumes das Mil e Uma Noites de Lane, com gravações em aço e notas em corpo menor entre os capítulos, o dicionário latino de Quicherat, a Germania de Tácito em latim e na versão de Gordon, um Dom Quixote da casa Garnier, as Tábuas de Sangue de Rivera Indarte, o Sartor Resartus de Carlyle, uma biografia de Amiel e, escondido atrás dos demais, um livro em brochura sobre os costumes sexuais dos povos balcânicos. Não esqueci tampouco um entardecer em um primeiro andar da praça Dubourg.
- Dufour - corrigiu.
- Está bem. Dufour. Te basta, tudo isto?
- Não - respondeu. -Essas provas não provam nada. Se eu estou sonhando, é natural que eu saiba o que sei. Seu catálogo prolixo é totalmente vão.
A objeção era justa. Respondi:
- Se esta manhã e este encontro são sonhos, cada um de nós dois tem que pensar que o sonhador é ele. Talvez deixemos de sonhar, talvez não. Nossa evidente obrigação, enquanto isto, é aceitar o sonho, como aceitamos o universo e termos sido engendrados e olharmos com os olhos e respirarmos.
- E se o sonho durasse? - disse com ansiedade.
Para tranqüilizá-lo e me tranqüilizar, fingi uma serenidade que certamente eu não sentia. Disse-lhe:
- Meu sonho já durou setenta anos. Afinal de contas, ao rememorar, não há pessoa que não se encontre consigo mesma. É o que nos está, acontecendo agora, só que somos dois. Não queres saber alguma coisa de meu passado, que é o futuro que te espera?
Assentiu sem uma palavra. Prossegui, um pouco perdido:
- A mão está saudável e bem, em sua casa de Charcas y Maipú, em Buenos Aires, mas o pai morreu há uns trinta anos. Morreu do coração. Uma hemiplegia o liquidou; a mão esquerda posta sobre a mão direita era como a mão de uma criança posta sobre a mão de um gigante. Morreu com impaciência de morrer, mas sem uma queixa. Nossa avó havia morrido na mesma casa. Alguns dias antes do fim chamou-nos a todos e disse-nos: '”Sou uma mulher muito velha que está morrendo muito devagar. Que ninguém se perturbe por uma coisa tão comum e corrente". Norah, tua irmã, se casou e tem dois filhos. A propósito, em casa como estão?
- Bem. O pai sempre com seus gracejos contra a fé. Ontem à noite disse que Jesus era como os gaúchos que não querem se comprometer e que, por isto, pregava através de parábolas.
Vacilou e disse:
- E o senhor?
- Não sei o número de livros que escreverás, mas sei que são demasiados. Escreverás poesias que te darão uma satisfação não partilhada e contos de índole fantástica. Darás aulas como teu pai e como tantos outros de nosso sangue.
Agradou-me que nada perguntasse sobre o fracasso ou êxito dos livros. Mudei de tom e prossegui:
- No que se refere à História... Houve outra guerra, quase entre os mesmos antagonistas. A França não tardou a capitular; a Inglaterra e a América travaram contra um ditador alemão, que se chamava Hitler, a cíclica batalha de Waterloo. Buenos Aires, ao redor de mil novecentos e quarenta e seis, engendrou outro Rosas, bastante parecido com nosso parente. Em cinqüenta e cinco, a província de Córdoba nos salvou, como antes Entre Rios. Agora, as coisas andam mal. A Rússia está se apoderando do planeta; a América, travada pela superstição da democracia, não se resolve a ser um império. Cada dia que passa nosso país está mais provinciano, Mais provinciano e mais presunçoso, como se fechasse os olhos. Não me surpreenderia se o ensino do latim fosse substituído pelo do guarani.
Notei que mal me prestava atenção. O medo elementar do impossível, e no entanto certo, o aterrorizava. Eu, que não fui pai, senti por esse pobre moço, mais íntimo que um filho da minha carne, uma onda de amor. Vi que apertava entre as mãos um livro. Perguntei-lhe o que era.
- Os possessos ou, segundo creio, Os Demônios, de Feodor Dostoiewski - me replicou não sem vaidade.
- Já o esqueci. Que tal é?
Nem bem o disse, senti que a pergunta era uma blasfêmia.
- O mestre russo - sentenciou - penetrou mais que ninguém nos labirintos da alma eslava.
Essa tentativa retórica me pareceu uma prova de que se havia acalmado.
Perguntei-lhe que outros volumes do mestre havia percorrido. Enumerou dois ou três, entre eles O Sósia.
Perguntei-lhe se, ao lê-los, distinguia bem as personagens, como no caso de Joseph Conrad, e se pensava prosseguir o exame da obra completa.
- A verdade é que não - respondeu-me com uma certa surpresa.
Perguntei-lhe o que estava escrevendo e disse que preparava um livro de versos que se chamaria Os hinos vermelhos. Também havia pensado em Os ritmos vermelhos.
- Por que não? - disse-lhe. - Podes alegar bons antecedentes. O verso azul de Rubén Darío e a canção gris de Verlaine.
Sem me fazer caso, esclareceu que seu livro contaria a fraternidade entre todos os homens. O poeta de nosso tempo não pode voltar as costas à sua época.
Fiquei pensando e perguntei-lhe se verdadeiramente se sentia irmão de todos. Por exemplo, de todos os empresários de pompas fúnebres, de todos os carteiros, de todos os escafandristas, de todos os que vivem nas casas de números pares, de todos os afônicos, etc. Disse-me que seu livro se referia à grande massa dos oprimidos e dos párias.
- Tua massa de oprimidos e párias - respondi - não é mais que uma abstração. Só os indivíduos existem, se é que existe alguém. O homem de ontem não é o homem de hoje, sentenciou algum grego. Nós dois, neste banco de Genebra ou Cambridge, somos talvez a prova.
Salvo nas severas páginas da História, os fatos memoráveis prescindem de frases memoráveis. Um homem a ponto de morrer quer se lembrar de uma gravura entrevista na infância; os soldados que estão por entrar na batalha falam do barro ou do sargento. Nossa situação era única e, francamente, não estávamos preparados. Falamos, fatalmente, de literatura; temo não haver dito outras coisas que as que costumo dizer aos jornalistas. Meu alter ego acreditava na invenção ou descobrimento de metáforas novas; eu, nas que correspondem a afinidades íntimas e notórias e que nossa imaginação já aceitou. A velhice dos homens e o acaso, os sonhos e a vida, o correr do tempo e da água. Expus-lhe esta opinião que haveria de expor em um livro anos depois.
Quase não me escutava. De repente, disse:
- Se o senhor foi eu, como explicar que tenha esquecido seu encontro com um senhor de idade que, em 1918, lhe disse que ele também era Borges?
Não havia pensado nessa dificuldade. Respondi, sem convicção:
- Talvez o fato tenha sido tão estranho que eu tenha tratado de esquecê-lo.
Aventurou uma tímida pergunta:
- Como anda sua memória?
Compreendi que, para um moço que não havia feito vinte anos, um homem de mais de setenta era quase um morto. Respondi:
- Costuma parecer-se com o esquecimento, mas ainda encontra o que lhe pedem. Estou estudando anglo-saxão e não sou o último da classe.
Nossa conversação já havia durado demais para ser a de um sonho. Uma súbita idéia me ocorreu.
- Eu posso te provar imediatamente - disse-lhe - que não estás sonhando comigo. Ouve bem este verso, que nunca leste, que eu me lembre.
Lentamente entoei o famoso verso:
L'hydre - univers tordant son corps ecaillé d'astres.
Senti seu quase temeroso estupor. Repetiu-o em voz baixa saboreando cada resplandescente palavra.
- É verdade - balbuciou - Eu não poderei nunca escrever um verso como este.
Antes, ele havia repetido com fervor, agora recordo, aquela breve peça em que Walt Whitman rememora uma noite compartilhada diante do mar em que foi realmente feliz.
- Se Whitman a cantou – observei - é porque a desejava e não aconteceu. O poema ganha se não adivinhamos que é a manifestação de um anelo. Não a história de um fato.
Ficou a me olhar.
- O senhor não o conhece - exclamou. - Whitman é incapaz de mentir.
Meio século não passa em vão. Sob nossa conversação de pessoas de leitura miscelânea e de gostos diversos, compreendi que não podíamos nos entender. Éramos demasiado diferentes e demasiado parecidos. Não podíamos nos enganar, o que torna o diálogo difícil. Cada um de nós dois era o arremedo caricaturesco do outro. A situação era anormal demais para durar muito mais tempo. Aconselhar ou discutir era inútil, porque seu inevitável destino era ser o que sou.
De repente, lembrei uma fantasia de Coleridge. Alguém sonha que atravessa o paraíso e lhe dão como prova uma flor. Ao despertar, ali esta a flor.
Ocorreu-me artifício semelhante.
- Ouve – disse-lhe -, tens algum dinheiro?
- Sim me replicou. - Tenho uns vinte francos. Esta noite convidei Simón Jichlinski ao Crocodile.
- Diz a Simón que exercerá a medicina em Carouge e que fará muito bem... agora, me dá uma de tua moedas.
Tirou três escudos de poeta e umas peças menores. Sem compreender, me ofereceu um dos primeiros.
Eu lhe estendi uma dessas imprudentes notas americanas que têm valor muito diferente e o mesmo tamanho. Examinou-a com avidez.
- Não pode ser – gritou. – Leva a data de mil novecentos e sessenta e quatro.
(Meses depois, alguém me disse que as notas de banco não levam data.)
- Tudo isto é um milagre - conseguiu dizer - e o milagroso dá medo. Os que foram testemunhas da ressurreição de Lázaro terão ficado horrorizados.
Não mudamos nada, pensei. Sempre as referências livrescas.
Fez a nota em pedaços e guardou a moeda.
Eu resolvi lançá-la ao rio. O arco do escudo de praia perdendo-se no rio de prata teria conferido à minha história uma imagem vivida, mas a sorte não quis assim.
Respondi que o sobrenatural, se ocorre duas vezes, deixa de ser aterrador. Propus a ele que nos víssemos no dia seguinte, nesse mesmo banco que está em dois tempos e dois lugares.
Assentiu logo e me disse, sem olhar o relógio, que já era tarde. Os dois mentíamos e cada qual sabia que seu interlocutor estava mentindo. Disse-lhe que viriam me buscar.
- Buscá-lo? - interrogou.
- Sim. Quando alcançares a minha idade, terás perdido a visão quase por completo. Verás a cor amarela, sombras e luzes. Não te preocupes. A cegueira gradual não é uma coisa trágica. É como um lento entardecer de verão.
Despedimo-nos sem nos termos tocado. No dia seguinte, não fui. O outro tampouco terá ido. Meditei muito sobe esse encontro, que não contei a ninguém. Creio ter descoberto a chave. O encontro foi real, mas o outro conversou comigo em um sonho e foi assim que pude me esquecer. Eu conversei com ele na vigília e a lembrança ainda me atormenta.
O outro me sonhou, mas não me sonhou rigorosamente. Sonhou, agora o entendo, a impossível data no dólar.

(BORGES, Jorge Luis. O Livro de Areia. (Trad. Lígia Morrone Averbuck). Porto Alegre: Editora Globo, 1978.)

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sexta-feira, janeiro 04, 2008

resiliencia....coisa de criança...

comecei dizendo que isso eh coisa de crianca, pq eh mesmo, na infancia essa caracteristica e natural, e o crescimento do adulto, solidifica coisas que nao precisa e abre mão desta espontaneidade...vamos ver essa materia da voce s.a.


Só os flexíveis sobrevivem
Claudia Riecken, criadora do teste Quantum, de comportamento, lança livro sobre a capacidade para superar adversidades. O segredo está no bom humor, na autoconfiança e no jogo de cintura
Por Isabela Barros
Luciana Cavalcanti



A psicoterapeuta Claudia Riecken: entrevistas com 182 pessoas sobre a capacidade de vencer adversidades

A psicoterapeuta e empresária paulistana Claudia Riecken passou os últimos oito anos ouvindo histórias de superação. Autora de Sobreviver: Instinto de Vencedor ­ Os 12 Portais da Resiliência e a Personalidade dos Sobreviventes (Editora Saraiva), ela entrevistou 182 pessoas, como a psicóloga húngara Edith Eva Eger, sobrevivente do campo de concentração nazista de Auschwitz, e o modelo Ranimiro Lotufo, que perdeu a perna direita num acidente. Em comum, esses personagens têm o que se costuma chamar de resiliência, a capacidade de vencer adversidades, se recompondo do baque ainda mais fortes. Criadora da metodologia Quantum -- teste comportamental já aplicado em mais de 200 000 profissionais em dez países desde 1998, quando foi homologado -- e presidente da consultoria Quantum Assessment, Claudia tem cerca de 350 clientes, incluindo empresas como Embraer, Toyota e Unilever. E garante que os resilientes são importantes para o sucesso de qualquer corporação. "Eles se adaptam bem ao novo, trabalham motivados e apresentam soluções", diz ela em entrevista a VOCÊ S/A. Resiliência é uma característica que se desenvolve?
É uma habilidade que todo mundo tem, até um certo ponto. Mas é possível desenvolver essa característica de acordo com a mentalidade de cada um, o meio em que vive e a adoção de certas práticas.
Que práticas são essas?
Decidir estar bem é o primeiro passo. Cada um é dono da própria cabeça e dos pensamentos que põe nela. E deve fazer o que for necessário para se sentir feliz. Tudo funciona a partir daí. Ter jogo de cintura é a segunda atitude recomendada. A persistência é importante, mas não a teimosia. É preciso ser flexível. Outro ponto fundamental é desenvolver a auto-estima, ter autoconfiança. Quando reconhecemos o nosso melhor nos tornamos mais resilientes. Quem não se cuida corre o risco de se sentir diminuído. Aí a competição fica pior, surge a inveja...

Como desenvolver a autoconfiança?
Uma boa dica é elaborar uma lista com tudo o que você faz ou que já fez bem na vida. Ter autoconfiança é reconhecer aquilo que você faz bem e nunca deixar de descobrir coisas novas. Fazer cursos, matricular-se numa aula de música, não importa. O que vale é o desafio. Tenho um paciente que aprendeu a nadar aos 32 anos. Foi uma atitude fantástica: aprender algo novo é como receber uma chuva de estímulos no sistema nervoso, um sinal de que você confia na sua capacidade de evoluir.


O que caracteriza uma personalidade resiliente?
O bom humor, a persistência, a capacidade de assumir a responsabilidade. Os resilientes são paradoxais. Podem ser organizados ou bagunceiros, decididos ou contemplativos, têm flexibilidade frente a si mesmos e não se preocupam em parecer bonzinhos para os outros. Os melhores sobreviventes são aqueles que não fazem o esperado. Pelo contrário, são muito criativos. Outro traço marcante é o otimismo, o fato de esperar o melhor de cada situação.

O resiliente necessariamente viveu alguma tragédia?
A resiliência se manifesta em qualquer pessoa, em qualquer situação, especialmente na vida cotidiana. As tragédias põem à prova a resiliência que se consegue ter no dia-a-dia. Diante de uma situação limite, é sobreviver ou sucumbir. Não dá para se isolar e rezar no meio de um incêndio, por exemplo. É preciso agir. Quando enfrentam dificuldades, os sobreviventes pedem ajuda, mandam e-mails, telefonam, buzinam, procuram um terapeuta, conversam com os amigos. Tendo passado por Auschwitz ou não.


Quando insistir em uma situação deixa de ser resiliência e vira sinônimo de teimosia, de burrice?
O resiliente sabe até onde ir. É capaz de dizer sim quando é sim e não quando é não. Ele não é só bonzinho ou só duro na queda. Pode ser as duas coisas, de acordo com a necessidade. Sabe dar o soco na mesa quando necessário.


Qual a importância do bom humor para enfrentar as dificuldades?
Se pudesse fazer um desejo aos céus e ser atendida, certamente pediria uma dose extra de bom humor por dia. Todas as pessoas bem-sucedidas e de bem consigo mesmas que eu conheço são bem-humoradas. O bom humor areja o raciocínio, facilita o contato com o outro, dá subsídios para pensar em soluções em que ninguém pensou. Sem falar que é muito mais gostoso viver com leveza. O trabalho, em geral, implica altos desafios. Prazos apertados criam pânico, pressão em excesso sufoca a criatividade. Todo dia precisamos aprender tecnologias novas, lidar com pessoas de línguas e culturas diferentes. Quem é bem-humorado faz tudo isso de forma mais tranqüila, natural. Do ponto de vista das empresas, ainda são raras as que conseguem proporcionar esse clima. Mas, no plano individual, nada impede que você adote essa postura. Ninguém controla o que você põe na sua cabeça.

Como superar a síndrome do bom menino citada em seu livro, a tendência a fazer o que os outros esperam?
Desde a infância somos treinados a fazer o que se espera de nós. O bom aluno é sempre aquele que segue as regras, o que é muito cômodo para pais e professores. Mas e a curiosidade, onde é que fica? Quando agimos muito dentro dos padrões e temos medo de ser rejeitados se sairmos da linha, sufocamos as nossas verdadeiras necessidades. E aí começam os problemas. Nesse caso, é preciso questionar quais são as nossas verdadeiras expectativas e vontades, e não aquelas impostas pela sociedade. É importante desenvolver uma consciência a respeito de si mesmo e não deixar que os outros digam o que deve ser feito. Um dos sobreviventes citados no meu livro, o modelo e empresário Ranimiro Lotufo, perdeu a perna direita num acidente durante um vôo de parapente. Ele conta que se incomadava muito quando as pessoas diziam o que ele podia ou não fazer. Quando ouvia algo do tipo, respondia que, se não tentasse, não descobriria se conseguiria ou não realizar o que queria. E olhe que, com uma perna só, ele fez canoagem, desfilou no mundo inteiro, voltou a voar.


As pessoas muito competitivas são resilientes?
Quem é muito qualquer coisa não é resiliente. O muito é capaz de sugar a resiliência. Profissionais muito competitivos precisam se provar o tempo todo e não conseguem relaxar, comemorar os resultados. São pessoas cruéis primeiro consigo mesmas. Quando você atinge o sucesso com autoconfiança, a competição é mais limpa, mais tranqüila.


Você cita a empatia como ferramenta de sobrevivência em várias situações. Como é possível se identificar com um chefe difícil e mal-educado?
A primeira recomendação é: tente quebrar o padrão, fazer alguma coisa que tire esse chefe mal-educado, grosseiro e arrogante de seu comportamento típico. Fale com ele com a mesma firmeza com que ele fala com você, tente anular a relação de dominação de forma inteligente. Convide-o para tomar um café e conte uma história sobre uma pessoa difícil, com quem você estaria tendo problemas. Invente um nome. Essa pessoa, na verdade, é o seu próprio chefe. Descreva exatamente como ele age e peça ajuda. O que ele disser que você deve fazer vai funcionar. Agora, acima de tudo, imponha limites. Ninguém tem o direito de humilhar, por razão nenhuma. Enfrente a situação e cite comportamentos que não são corretos, como "O seu tom de voz me soa extremamente desconfortável". Tente recombinar as regras do jogo. Mas, se for necessário, mude de emprego.

Por que o resiliente lida melhor com o estresse?
Porque ele se adapta, não fica agarrado a um padrão. E contribui com a sua criatividade para que as inovações sejam colocadas em prática, para que tudo funcione bem. É uma pessoa que trabalha motivada e consegue apresentar soluções. Esse profissional é muito valioso. Basta olha a velocidade das mudanças hoje para entender como os resilientes são importantes para as empresas.
Autor: Claudia Riecken
Fonte: Revista VC/SA

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* do UOL
* Fotos de Flávio Florido

Freegans reviram lixo em busca de modo de vida alternativo ao capitalismo

Gabriela Sylos
Em São Paulo


Tarde de dezembro em Santo André (SP). Clientes que deixaram para fazer a feira na última hora apertam o passo. Donas de casa pedem desconto porque as frutas já estão levemente amassadas. Feirantes resistem, tentam manter o lucro. Em meio a montanhas de alface e legumes no chão, algo destoa do cenário típico de fim de feira: revirando os restos descartados pelos comerciantes estão jovens que poderiam pagar pelos alimentos. Mas não querem.

Com o saldo da coleta é que será feito o almoço "freegan", promovido pelos integrantes de um grupo de Santo André, região metropolitana de São Paulo. Os freegans são pessoas que buscam estratégias para viver o máximo possível à margem da economia. Isso inclui consumir o mínimo possível de produtos industrializados na tentativa de burlar o sistema capitalista, que eles consideram maléfico à sociedade.
ALMOÇO FREEGAN EM SANTO ANDRÉ

Legumes desperdiçados em uma feira formam "montanha" na calçada

Restos da feira são aproveitados para fazer saladas, prato principal e sobremesa

No jardim da casa, as ervas daninhas são preservadas e usadas no dia a dia do grupo
VEJA MAIS FOTOS NO ÁLBUM

O termo freegan origina-se da contração das palavras "free" (livre em inglês) e "vegan" -vegetarianos que além de abolir o consumo de carne e tudo o que vier de animais, também não utilizam produtos que tenham sido testados nos mesmos. A idéia do freeganismo é ultrapassar essa ideologia e adotar estratégias alternativas de sobrevivência e convivência.

O reaproveitamento de alimentos desperdiçados é apenas uma das facetas do movimento -do lixo também podem ser retirados roupas e utensílios domésticos. Outros princípios são: cultivar jardins e hortas coletivas para prover o próprio sustento, abusar do que eles chamam de "transporte ecológico" (caminhadas, bicicleta, skate ou caronas em automóveis), e algumas medidas mais radicais como a moradia livre de aluguel e o desemprego voluntário. A cartilha freegan justifica que a moradia é um direito e não um privilégio (eles sugerem que imóveis abandonados sejam ocupados), enquanto trabalhar significa sacrificar a própria liberdade para obedecer ordens de terceiros. Além disso, trabalho é sinônimo de colaboração com o sistema capitalista.

E, afinal, em tese, com a adoção total das medidas propostas, não haveria mais necessidade de depender do dinheiro proveniente do trabalho.

O termo freegan surgiu na década de 90 e floresceu principalmente em países como Estados Unidos, Austrália e Inglaterra, onde os desperdícios são substanciosos. Nos EUA, algumas pessoas já se organizam para percorrer roteiros com lixeiras "rentáveis". Um exemplo é Madeline Nelson, 51, que largou o trabalho para se dedicar a projetos sociais e ao freeganismo e hoje busca a subsistência pelas lixeiras de Nova York. Em entrevista ao "The New York Times" em junho, Madeline disse que "a maioria das pessoas trabalha mais de 40 horas por semana em empregos que elas não gostam para comprar coisas que elas não precisam".

Em Santo André, as pessoas que aplicam princípios do freeganismo em seu dia a dia há cerca de dois anos dificilmente denominam-se como tais. "Não gostamos de rótulos. Eu não sou uma coisa ou outra, sou uma junção de coisas que eu gosto. Daqui um tempo posso largar tudo e mudar", afirma Ellen, 21, que prefere se identificar apenas com o primeiro nome, assim como os outros membros do grupo de Santo André.

A jovem, que ganha dinheiro vendendo livros e camisetas, é vegan e foi uma das pessoas que teve a idéia de oficializar a refeição freegan que acontecia esporadicamente na grande casa mantida pelo grupo. Agora o almoço acontece todas as sextas-feiras. Os produtos são recolhidos na feira que acontece no mesmo dia na rua ao lado.

Interessam a eles aquelas frutas e legumes que para os feirantes e clientes regulares não prestam mais: um tomate um pouco amassado, a banana que soltou do cacho ou a folha de couve desperdiçada em uma montanha de folhas acumuladas atrás de uma barraca. Mas também não precisa ser qualquer folha. "Melhor pegar a mais verde, que tem mais cálcio e pode ajudar na minha dor de dente", ressalta Ellen durante a coleta. Sua mãe tinha uma quitanda e ela lembra-se de ter visto muita coisa boa ser desperdiçada porque estava apenas visualmente danificada. Ellen ainda mora com a família, mas diz que leva uma vida nômade, entre a sede do grupo e a casa de amigos.

Ritual coletivo
Os feirantes têm reações diversas a estes jovens que se misturam às pessoas que buscam comida por dificuldade financeira. "Alguns indicam onde podemos pegar, outros mal respondem", conta Natália, 22, que durante a incursão pedia licença para procurar alimentos entre as sobras. Publicitária formada, ela trabalha com teatro e cinema.

O grupo busca os produtos coletivamente e compartilha os princípios freeganistas, mas algumas diferenças são evidentes. Enquanto Ellen e Natália não comem carne, outros integrantes não seguem o cardápio vegetariano; Natália já terminou o curso superior, mas outros nem pensam em fazer faculdade. Se Guilherme sonha em montar sua comunidade libertária e sair de casa, nem todos do grupo são adeptos da idéia.

Mas as diferenças pouco importam na hora do almoço. Na cozinha, nada de um corta, o outro refoga. Todos fazem tudo ao mesmo tempo. "Para a gente é um ritual", conta Ellen. "Se tivesse menos gente na cozinha ou uma divisão de tarefas, certamente o almoço sairia mais cedo. Mas isso não importa para nós".

Da coleta ao prato sujo na pia, passam-se mais de três horas. E o trabalho não se restringe a descobrir a melhor combinação entre os legumes: durante o preparo, por exemplo, a água terminou e o grupo teve de checar o registro, além de colocar uma escada dentro da cozinha para verificar a caixa d'água.

O exemplo vem de dentro
As atitudes freegans espalham-se pela casa. Além do tradicional almoço, o grupo já organizou "rolês freegans", passeios aos finais de semana que buscam objetos jogados fora, principalmente em caçambas. "Tem uma privada verde linda que foi jogada fora aqui perto", diz Ellen, que sempre gostou de dar uma "espiada" nas caçambas. O grupo tem planos de construir, no quintal da casa, um galpão feito com material encontrado nas ruas. O local é necessário para abrigar e ampliar o que eles chamam de "baú de dádivas" -caixas que ficam na entrada da casa e recebem objetos doados. Quem quiser dá, quem quiser pega.

"Essa casa é uma auto-gestão, um modelo de solidariedade que tentamos transmitir para fora", conta Marina, 16. Os móveis foram doados, a biblioteca com livros e vídeos foi montada aos poucos, o lixo obviamente é reciclado e os restos orgânicos vão para a composteira. Na horta são cultivados temperos e árvores frutíferas que crescem misturados às ervas daninhas, utilizadas ora para curar ferimentos, ora para reforçar a comida.

Ellen considera-se uma estudiosa do assunto. Diz que aprende a cada dia uma nova utilidade para as ervas daninhas. "Por mais que tentemos não consumir, vivemos como parasitas do sistema, aproveitando aquilo que é desperdiçado", diz, "acho que o futuro está em sobreviver com as coisas que a natureza nos dá".

Viver sem os produtos industrializados é mesmo difícil. Ao lado da salada e dos legumes refogados -fruto do desperdício-, estão o óleo de cozinha e o suco de caixinha comprados no mercado.

"A gente sente a pressão. Essa roupa que eu estou usando foi comprada; para chegar aqui eu peguei o trem; os meus pais me cobram que eu faça uma faculdade", assume Ellen, lembrando que o grupo tem que pagar o aluguel da casa e vender cerveja para fechar as contas no final do mês. "Mas eu pretendo continuar estudando as plantas e andar mais de bicicleta", finaliza a jovem

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terça-feira, janeiro 01, 2008

"o melhor de td na vida é o passado, o presente e o futuro...o 1º deixa-se o q la está, sem mexer ou buscar, é grata a morte deste tempo...no 2º o verbo é irregular e por fim, o 3º onde o melhor lá estará!

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